quarta-feira, 9 de março de 2011

O drama de Alphonse



Alphonse é um homem metódico. Tem o costume de planejar tudo em sua vida, até as coisas mais triviais. Mesmo que não pareça, ele tem tudo sobre controle, ou pelo menos pensa ter. Conhece todos os seus amigos muito bem. E os divide em grupos, teme que se encontrem e se misturem. Sabe que caso isso aconteça ele vai ter muito trabalho mental definindo-os por afinidade e não por habilidades, como faz agora. Sua vida é tranqüila e programada. Sabe quando pode fazer as coisas e o que vai acontecer se ignorar algum detalhe. Às vezes, só para ter alguma surpresa proposital, deixa de fazer algo ou faz fora de hora. Os resultados destas traquinagens com seu planejamento o faz preparar-se para possíveis arbitrariedades esperadas para o futuro.
Não pense que ele não pode ser espontâneo. Engana-se quem pensa isso. O problema é que isso acontece apenas quando ele pode ser assim. Sempre que sente a necessidade de fazer alguma loucura procura uma boa ocasião em sua agenda e se prepara bem para isso. Sabe direitinho que tipo de espontaneidade pode praticar e saberá que está bem preservado. Na maioria das vezes ele planeja algo para si. Dificilmente envolve outras pessoas em suas programações, sabe o quanto são difíceis de organizar. Entende que pessoas são como variáveis matemáticas de fórmulas ainda não estabelecidas. Variáveis que dependem de muitas variáveis.
Uma bela tarde, observando a chuva e conjecturando junto aos seus botões como essa assimetria toda era desastrosa, Alphonse resolve projetar uma experiência. Verifica que para a chuva cair líquida depende de muitos fatores diferentes e que muitas forças diferentes são empregadas em todas as transformações e transporte das moléculas de água. Resolve então juntar elementos diferentes de sua vida. Sabe que boa parte destes elementos nem eram tão distantes, faz isso para não provocar um desastre. Planeja tudo muito bem, faz contatos, recorre a pessoas do passado somente para levar seu plano à frente. No fim se ocupa tanto com as árduas tarefas diplomáticas que em duas semanas tudo já estava acertado. O mais difícil era conseguir as máquinas humanas, mas isso estava garantido por palavras. Ele não confiava muito em palavras ditas, mas confiava que todas as pessoas tivessem seu mesmo comprometimento com elas.
Passado um mês tudo ainda estava em ordem para seu plano. As palavras firmavam-se no ar que saía da boca das pessoas com quem contava. Ele lembrava que agora faltava pouco para a culminância de seu projeto. Mas algo o afligia, talvez fosse a força das vozes de seus elementos recrutados esvaindo-se. Resolveu então checar os cabos que davam sustentação ao seu plano que era mais que um sonho. Neste momento repara que estão afrouxando e não trem ponto de nó. Então os deixa ir e concentra energias fortificando os restantes mais rígidos e confiantes. Logo ganha outros apoios inesperados. Algo está indo mal. Não gosta de surpresas que não foram planejadas, mas aceita.
Mal sabia ele que esse era o mesmo apoio que ceifaria suas esperanças na raça humana para projetos tão bem cuidados. Ele devia ter obrigado seus elementos a registrarem suas palavras em papel que pode ser cuidadosamente arquivado e não no ar que vira vento. Como seu instinto supôs aquele apoio surpresa não foi boa coisa. Ele trouxe o elemento que move as pessoas, o dinheiro. Agora ele perdeu seus elementos, pois não eram tão covalentes assim e dissiparam-se apenas com o esforço o oferecimento material. Entendeu então que sua experiência chegara a algum resultado.
Ele entendeu que planejar algo real sobre coisas resultantes de emoções não funciona. Entendeu que levar a sério palavras jogadas para seu agrado como farelo de pão aos peixes também não era certo. Entendeu que por mais forte e transcendental que sejam as idéias elas se dissolvem inertes aos caprichos materiais proporcionados pela efemeridade de uns poucos recursos financeiros. Por fim entendeu que não se deve competir com a ambição humana, pois ela é muito forte e o pobre Alphonse ainda não tem condições de competir contra.
De fato Alphonse conseguiu mais uma vez. Fez uma experiência e como programado acabou aprendendo algo. Saiu ileso do que seria para qualquer outra pessoa motivo para gerar rancor ou decepção. Felizmente ele sabia que em pessoas não se deve investir nenhum sonho de tanto valor. Só coisas efêmeras sobre coisas efêmeras. Pessoas são movidas por impulsos materiais, por isso são tão infelizes. Ele espera sair logo deste inferno.

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