quinta-feira, 28 de julho de 2011

Bar


Ele está sentado no bar. Toma o terceiro copo de cerveja, já tomou duas garrafas no outro bar antes de ser expulso. Acena para o garçom, mostra sua credencial. Isto é o suficiente para ter tudo o que deseja. Ainda está tentando chamar a atenção da garota de vestido branco e preto sentada com uns amigos atrás das mesas de sinuca. São três e meia da madrugada e eles cantam como se estivessem num parque fazendo piquenique ao meio dia. Um deles tem um violão e colabora com os tímpanos de todos presentes que não agüentam mais tanta gritaria por parte daqueles que discutem suas táticas de bilhar.
Meu alvo está se movendo, vai ao banheiro. Não vou segui-lo, não quero ser visto por ele. É fácil saber que ele só quer chamar a atenção da garota. Conseguiu, mas ela parece não querer cair em sua armadilha. A mesma de antes.
Ele a espera no banheiro e volta alguns minutos sabendo que ela não cairá em seu golpe. Sabe que precisará de mais lucidez. Agora vai ter que ser mais habilidoso para conseguir sua presa. Volta ao balcão e pede água. Bebe dois copos como se fosse um refugiado que acaba de chegar do deserto. Quero que ele saia logo, não quero ser visto por ninguém, ou teria feito meu serviço ali mesmo, no banheiro.
O rapaz do violão começa a tocar mais alto. Agora já é quase impossível ouvir a voz dos competidores de taco na mão. De fato eles estão prestando atenção na música. Música boa. Meu alvo observa a garota de vestido branco e preto como se fosse um caçador. Não tira os olhos dela nem mesmo quando toma água. Está vidrado. Parece que ele não sairá dali antes dela. Mas sua bexiga não aguenta e volta ao banheiro. Desisto de ser tão sutil, vou fazer agora o que vim fazer antes, sei que ele estará com a guarda baixa. Quem muito quer atacar uma alvo se esquece de defender-se, principalmente quando se sente tão superior. Ele pensa não cometer erros. Coitado, sua hora chegou, vai sofrer o que Lea também sofreu, mas sua dívida só será paga no inferno.
Todos estão olhando para o rapaz tocando sua bela música. Sigo meu alvo de perto, não o tiro de vista enquanto serpenteia entre os que estão no caminho. Ele entra no corredor que dá acesso ao banheiro, lá vejo uma das garotas que estavam no grupo da garota do vestido branco e preto. Ela saiu de uma porta logo após a passagem do meu alvo e agora na minha frente, me bloqueia a passagem, tenta me seduzir e seu perfume realmente é capaz disto. Pergunta pela minha pressa, ainda posso ouvir a música no salão, todos estavam hipnotizados por ela, mas eu não, eu tinha um objetivo.
A garota de perfume mágico tenta me segurar e de alguma forma consegue. Perdi meu alvo, perdi minha vingança por causa dela. Estou preso na parede ela me olha nos olhos enquanto seu aroma penetra minhas narinas e paralisa todo meu corpo. Ao fundo vejo a garota do vestido branco e preto sair da mesma cabine mictória que meu alvo havia entrado há pouco, mas ela estava diferente, na verdade seu vestido está diferente. Agora seu vestido é vermelho e preto. Um vermelho quase vivo. Sua pele está limpa, branca e fria como gelo. Passa por sua amiga e diz que já está feito. Sua amiga, de perfume mágico, diz que eu estou cheio e sai. A garota de vestido vermelho e preto achou isto perfeito e também sai. Estou livre para seguir em frente com o meu plano.
Ando pelo corredor com medo, dúvida, ódio e tédio no estômago. Isto tudo junto faz muito mal e por isso estou tão pesado. Sinto o assoalho afundando a cada passo que dou. Minhas mãos tremem antes de entrar na cabine mictória do meu alvo. Começo a me perguntar o que havia acontecido instantes antes, quando a garota que mudara de vestido estava aqui dentro ainda. Penso que isso era besteira e sigo em frente. Estou a duas portas da cabine-alvo, agora não posso mais recuar. Não tenho plano de fuga. Abri a porta da cabine com violência assim que me deparei em frente a ela. Como um tubarão desliguei meus sentidos principais apenas foquei-me em meu alvo. Retirei da cintura minha faca de caça, presente de natal que ganhei dela. Esfaqueei-o várias vezes. Meu objetivo estava alcançado, agora comecei a retomar meus sentidos. Não entendo o que vejo. Sem nenhuma reação ele aceitou meus golpes. Sou um assassino. Matei a sangue frio, ou não. Logo pessoas me encontram debruçado sobre o cadáver procurando uma explicação. Minha consciência volta e fico ainda mais confuso. Sou assassino, ou não? Para o público que saíra do transe musical sim, mas para mim? Minha alma está suja pelo desejo de ter matado, mas matei? Minhas mãos estão sujas de sangue, isso é tudo. O grupo de amigos que estava sentado atrás das mesas de sinuca desapareceu. Ninguém viu, só eu.

Le grand ennui


Há algum tempo venho tentando escrever algo para postar aqui, de fato isto tem me chateado bastante, pois não tenho obtido sucesso. Desde o meu acidente apenas postei um texto/mensagem e nada mais. Inventei várias desculpas a meus amigos que me perguntavam o motivo, mas nunca tive coragem de admitir meu fracasso na luta contra certas forças ocultas que imperam sobre meu ser fragilizado pelo tédio. Entreguei-me totalmente a uma rotina de ócio. Aqueles que mais de perto me acompanham têm ouvido de mim apenas o velho mantra entediante de uma pessoa que não pode fazer mais o que estava acostumado e o que deseja. Apesar de ter sofrido apenas uma fratura em minha perna esquerda, tenho vivido os meus dias como se algo muito mais importante tenha se ido ao chão junto do meu corpo naquela sexta-feira.
Não posso falar que só coisas ruins tenham acontecido comigo. Agora que recebi um certo impulso para começar a escrever seria desprezível da minha parte ficar lamentando apenas. Esses dias de clausura foram bastante úteis para mim, na verdade estão servindo como nenhum outro período da minha vida. Começo a acreditar naqueles ditados que falam sobre tirar algum tempo para refletir na vida e tal. De fato neste mês e meio abri meus olhos para várias coisas que andava fazendo errado. Descobri que estava confundindo muito meus colegas com amigos. Fui roubado e não posso falar que não suspeito de alguém acima de qualquer suspeita. Percebi como sinto falta dos meus amigos de verdade por perto e estou tendo uma visão mais clara de como eles estão se afastando de mim, e a culpa pode ser minha.
No meio de toda bagunça que tem acontecido, que não posso falar tudo ou minha pouca moral se esvairá com o vento pela janela aberta mais próxima de quem ler isto, encontrei uma pessoa que me fez reconhecer alguns valores que de fato os conhecia, mas fingia que fossem impossíveis para mim. Mudei-me para esta cidade por dois simples motivos: trabalho e independência. Sei que na verdade eles se completam, mas são nobres demais e por isso devem ser vistos separados. Mas nesta cidade encontrei mais do que isso. Encontrei uma pessoa que muito me tem ajudado. Não vou ficar horas escrevendo coisas que não façam sentido para ninguém a não ser para mim, só devo expressar o quanto me sinto grato por encontrar uma nova definição de amor com ela.
Assim, contudo, devo dizer que nestes entediantes 48 dias desde a queda coisas terríveis tenham me acontecido. Meu corpo tem sido um campo de testes para pragas, pois não tenho apenas a perna quebrada. Um tipo de alergia não identificada anda consumindo parte da minha pele. Também tenho enfrentado resfriados que parecem ter saído de meus pesadelos. Estes são meus companheiros noturnos que estão conseguindo levar a minha saúde mental para o mesmo lado da corporal. Chega de lamentar sobre tudo isso. Não entendo que aceitando estar na merda vou parar de reclamar, só estarei reclamando com menos ódio. Afinal estou entediado demais para isso.
(acabo de entender o porquê dos velhos decrépitos serem tão ranzinzas)