domingo, 27 de junho de 2010

Cabelo, copa e doces

Sabe aqueles dias em que coisas acontecem quando outras deveriam acontecer, mas por causa de certos acontecimentos não acontecerão? Pois é, eu, professor, ia cortar o cabelo em dia de jogo do Brasil na copa do mundo. Alguma seleção sofreria por causa do jogo, mesmo em caso de empate, e eu continuaria cabeludo, mas não insatisfeito.
Para começar, do começo, este dito cidadão, eu, já moro atrás de um salão, que pertence à minha mãe, mas mesmo assim preciso contar com serviços “terceirizados” para resolver problemas capilares. Essa seria a primeira contradição da história. Como sou um professor sisudo geralmente não sou de deixar certas responsabilidades e procedimentos; como nunca sair com um grupo de adolescentes, mesmo que fantasticamente inteligentes e interessantes, que sejam meus alunos, para assistir a um jogo de futebol, esporte que não me apego tanto por vários motivos inclusive os que me levaram a escrever este texto.
Há uma semana que já pensava em cortar o cabelo, mas não o fiz por falta de tempo ou simplesmente por preguiça. Mas a situação começou a tornar-se insuportável. Os cremes para pentear já me estavam deixando com um capacete por sobre a cabeça. Mas decidi que depois das aulas iria cortar o cabelo. Missão quase impossível.  Pois apesar de ser dia útil meu cabeleireiro estava fechado, assim como toda a cidade, talvez o estado e não seria exagero dizer o país. Tudo isso devido a um jogo de futebol. Ópio do povo que faz tudo virar festa ou choro. Neste meu enredo que não estava tão bem enredado já que falhou, fui convidado por meus alunos a fazer parte de sua peça e deixar meus planos. Mas não poderia, planejei, tenho que cumprir.
Bem, não deixei de fazer uma mudança em minha cabeça neste dia. Tudo bem que não foi capilar, a mudança foi bem mais profunda. Larguei meus planos e resolvi embarcar nessa viajem com um grupo de pessoas mais jovens que eu. Não que me ache velho, mas já estou começando a parecer. O trabalho faz isso. Pois bem, curti um dia de ensino médio novamente, até pareci interessado por futebol e mesmo com o cabelo grande e preso pelo creme, levei as mãos à cabeça em lances perigosos. Me diverti como não fazia a tempos, assisti filmes e comi açúcar como sempre gostei, rodeados por pessoas que apesar de pouca idade e experiência sabem levar a vida muito bem.
Só cortei o cabelo no outro dia e decidi fazer algo diferente, algo do tipo Cristiano Ronaldo. Em uma tarde muito legal meus alunos me mostraram que ainda posso aproveitar a vida que tenho apesar das intempéries. Naquele dia assisti a uma peça à qual já fui personagem, vi cenas que já protagonizei.  E paradoxalmente aprendi que posso continuar a me divertir, apesar de ter que enfrentar uma sala dos professores, uma coordenação e turmas difíceis. Entendi que há, inocentemente, na mente de meus alunos uma busca por referências e não somente por conceitos. Posso ser o mesmo professor sisudo que adora a disciplina, mas agora posso entender um pouco mais que os planos podem ser mudados. E esse texto era para dizer que é impossível cortar o cabelo em dia de jogo da seleção na copa.