domingo, 20 de março de 2011

Murs




Ele queria viajar para a longe desde cedo. Europa, Ásia, América do norte, Oceania ou África eram seus destinos futuros quando criança. Sabia que seu destino era viajar para longe dalí, só  não sabia o porquê. Quando criança, ainda, seus amigos o chamavam de louco, e como crianças que também eram, faziam coisas cruéis a ele. Sua resposta às agressões físicas e morais era sempre a mesma: silêncio, e cada vez mais vontade de largar toda aquela escória. Viveu assim por muito tempo. Para a maioria das pessoas a fase de transformações e conflitos é a adolescência, não para ele. Sua pior fase sem dúvida foi a infância. Naquele período era indefeso e só. Não era assim tão desprotegido porque de fato as pessoas lhe davam as costas, mas era assim por que não aceitava a ajuda de ninguém. As pessoas o enfraqueciam.
Quando chegou à puberdade e seus colegas começavam a ensaiar a vida amorosa, partindo pelas fantasias sexuais, seus traços de personalidade ficaram mais evidentes. Sua isolação era visceral, não aceitaria que qualquer pessoa se aproximasse. Caso contrário seria ríspido, pois havia sobre ele uma espécie de barreira que impediria qualquer avanço pessoal. Mas nesta fase, os hormônios contrariaram sua natureza pessoal. Passou a se incomodar por não ser observado. E isso se deu por conta de uma pessoa em especial. Essa fatalidade do destino fez com que suas defesas abaixassem e permitissem que outros seres penetrassem em sua carapaça invisível. Era esperto. Sabia que em uma boa pescaria era necessário capturar todo o cardume para que o peixe tão desejado caísse em sua rede. Só não sabia ele o que fazer depois. Não foi preciso descobrir o que fazer, pois jamais capturara sua presa, só o cardume.
Esse fato de deixar cair as defesas o deixou imune às aproximações indesejadas. Levou tudo numa boa, foi falso como pode. Até gostou disso. E assim que se percebeu, estava perdido sem seus planos de infância. A Europa, Ásia, África, Oceania e América do norte estavam muito distantes. Seus olhos já não alcançavam mais. Estava se conformando com sua vida recheada de pessoas que não o compreendiam. Pessoas que o julgavam por valores que desconhecia. E agora desprovido de sonhos, buscava adaptar-se. Morria lentamente para promover um renascimento sem sentido.
Sua adolescência também foi uma fase de transtornos. Diferente da maioria dos seres que conhecia, aprendera algo neste processo. Não teve ajuda e passou por transformações realmente profundas. Isso influencia em sua visão de mundo atual. Não entende certos valores que a sociedade tem. Será eternamente marcado por ter se exilado quando criança. Essa mutilação deixou marcas piores que as causadas por acidentes físicos que sofrera. Está eternamente deformado. Seus valores não se encaixam e cada vez mais isso o atormenta, pois precisa adequar-se. E isso gera nós em sua cabeça.
Seu equilíbrio está alterado, sua debilidade é crônica. Não tem consciência disso. É impossível ter noção do quanto é deslocado. Apenas sente os efeitos dessa estranha realidade que o cerca, contrastando com a que ele enxerga. Sabe, portanto que algo está errado, principalmente quando freqüenta ambientes onde é comum a troca daquilo que de fato desconhece o sentido. Mas comporta-se como se fosse um dos quais. Não sabe ao certo se todos estão fingindo como ele ou se de fato gostam daquela palhaçada. Finge gostar sem saber exatamente o porquê. Talvez goste de testar os limites de sua paciência ou alguns elementos daquilo tudo o agradam. Talvez apenas repita o mesmo erro cometido quando entrara em sua fase adolescente.
Acontece que para ele é muito complicado entender como as pessoas podem desenhar suas vidas com tanta facilidade. Será que realmente elas conseguem fazer isso, ou estão apenas  mentindo. Quando pensa nisso lembra-se de como era agradável permanecer entre suas paredes imaginárias, não se importando com o mundo que o cercava. Levando uma vida onde a observação despretensiosa era toda a que tinha. Hoje, viciado em ser social, sofre, ainda calado, mas já beira o seu limite. Sente falta do não sentir de antes. Lembra que está experimentando emoções muito facilmente descartáveis, e não sabe digerir as coisas assim tão rápido. Relembra que naquele momento em que se abriu pela primeira vez sua obnubilação o trancou para o lado de fora das paredes invisíveis e agora fica muito difícil achar a entrada.
De fato ele ainda busca aquelas viagens de antes, mas agora de maneiras diferentes. Obrigações entraram em seu caminho. Nada é mais tão simples. Agora ele deve lidar com números de pessoas muito maiores que antes. Deve tomar cuidado para que seus sonhos não o devorem ainda de dia. E se esforça bastante para não deixar a caixa se abrir completamente.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Já chega!



Por que afinal a humanidade restringe tanto o direito de cultivar o prazer? Acredito que em algum país de cultura muito distante deva existir uma sociedade em que os homens e mulheres sejam dotados do poder de levar suas vidas livremente, sem as tolices sacerdotais dos deveres sociais. Como pode ser tão difícil estar próximo de sua realização profissional ou pessoal e ter tempo para desfrutar das duas? Estou bem longe delas, mas sinto que vivo em um túnel de sentido único onde não se pode ficar parado e caso queria serei esmagado por todos ao meu redor. Faço as coisas visando meu bem estar pessoal, mas cada vez mais que o procuro sofro pressão por não estar buscando sucesso profissional. Isso é tão tautológico, porque afinal nunca alcançaremos o último degrau desta escalada social infindável e enquanto humanos precisamos de diversão.
A busca por objetivos tem se confundido com competição. O alvo do homem não é mais ter uma bela casa, bela esposa (como se mulheres fossem objetos), belo emprego e porte físico atlético. Agora o homem busca ter o que pertence ao outro, ou melhor, busca ter algo melhor do que o outro. Não entendo a realidade feminina, mas não duvido que seja muito diferente. Estamos desperdiçando um tempo enorme movendo essa máquina capitalista enquanto perdemos as belas coisas que a natureza tem para nos oferecer. Até a humanidade tem muito mais a oferecer do que temos buscado aproveitar.
Poucos sabem realmente quais são os seus potenciais, pois buscam realizar o sonho de consumo dos pais. Pessoas que precisam se submeter a condições de trabalho desumanas para sobreviver, já que a ordem dos seus patrões é para que se trabalhe um pouquinho além do que já trabalha para conseguir aquele cargo superior e manter a cadência exploratória. Não falo em volta à era tribal, onde os homens se ajudavam e viviam sem nenhum conforto. Refiro-me a uma ideologia de respeito às leis humanas sobre a preservação do que resta de natureza dentro de nós.
A humanidade evoluiu ao ponto de digerir a ela própria e marginalizar seus excrementos, assim vive em uma latrina asquerosa chamada cidade grande. O capitalismo foi o grande responsável por isso. Doença viral surgiu como uma solução a outra situação degradante, mas com o passar do tempo se tornou força dominante, responsável por conflitos separatistas dos mais diversos propagando o preconceito e a intolerância. Estamos chegando a uma nova fase de deterioração humana, agora é hora de olharmos para o planeta e para as coisas viventes, mas não sem antes procurarmos nossas necessidades pessoais.
É comprovado pelo sorriso de uma criança que uma tarde no parque, no rio, na praia, na fazenda ou em qualquer lugar em que se tenha natureza faz bem. Também sei que projetos culturais como idas ao cinema, teatro ou shows musicais fazem efeito positivo à qualidade de vida. Depende mais de como as pessoas encaram as responsabilidades do que como as responsabilidades encaram as pessoas para se ter um bom padrão social. Não digo que seja necessário esquecer-se das dívidas, trabalhos e afins, mas que é importante saber que tudo o que precisamos é de uma vida mais simples para termos tranqüilidade e paz. Afinal devemos nos preocupar mesmo é com nossa mente e com nosso corpo, não nos aposentaremos deles enquanto estivermos por aqui.

Incurable



Johann tinha 19 anos quando seu ferimento começou a dar sinais de existência. Como era jovem pensou que um machucado daqueles não seria nada tão grave. Continuava a fazer as coisas que fazia sempre sem reparar como a ferida evoluía. Uma vez quando começou a doer ele deixou de tocá-la, sua forma de cuidar. Não durou muito e ela começou a inflamar. Teve que tratar. Buscou ajuda e descobriu o melhor jeito de cuidar dela. Começou a tratar dela. Pare ele seria uma experiência nova e um pouco dolorida.
Era muito jovem para ficar preso a algo assim por tanto tempo e logo tratou de livrar-se, mas não sem antes cometer certas displicências, as quais o farão ficar muito arrependido mais tarde. Ficou livre dos medicamentos já que a “pereba” estava indolor. Passou a desprezar o tratamento e ficou assim por alguns meses até que a ferida voltasse a doer. Buscou o remédio, mas desta vez não queria o mesmo cuidado. No entanto, depois de algum tempo percebeu que já podia viver tranquilamente, pois já teria assumido sua condição. Pensava que quando fosse necessário era só buscar o caminho de sempre. Deixou então os cuidados e foi aventurar-se por ai.
Passou bem por um ano, até perceber que seu pequeno machucado, de quando tinha 19 anos, evoluíra a algum tipo de doença agora. Sabe que só tem um tratamento para aliviar as dores pelo corpo. Tentou reaver o processo medicinal, sem sucesso, pois o mesmo já estava indisponível. Passou mal e tentou lidar com isso com métodos nada ortodoxos. Buscou isolamento para não contagiar alguém. Acabou se ferindo mais e seu estado ficou digno de pena, mesmo que não deixasse que percebesse seu real estado.
Mas Johann é forte e com o tempo percebeu que pode viver com essa doença. Ele conseguiu estabilizá-la a base de preparo físico e muito trabalho. Foi se adaptando e criou um tipo de resistência a suas dores. Isso não foi fácil, mas já conseguia sair e se divertir como antes. Sua cura não era possível sem o tratamento adequado, mas sua recente força de vontade devido a uns medicamentos alternativos o fez bem.
Pena que ninguém sabe como lidar com ele. E às vezes pessoas muito próximas acabam fazendo-o sofrer quando mostram sua ferida, e pior, metem mesmo o dedo mostrando que ele deve cuidar dela. Mas o grande problema é que para isso medidas dolorosas deverão ser tomadas, e ninguém exceto ele sabe o quanto isso pode ser doloroso. Ele deseja que as pessoas passem a cuidar de seus próprios cânceres.

Alto do delírio II


Recentemente postei aqui no blog que tinha feito uma trilha bem legal, que tinha visto um espetáculo de beleza natural no “Alto do delírio”, pois bem, disse que voltaria lá em breve e tiraria fotos. De fato não queria ter ido lá ontem, fui porque infelizmente algumas coisas não saíram como planejadas e... Mas o que importa é que fui lá e tirei algumas fotos, poucas, mas podem ser vistas no link abaixo.


Para quem quiser ir ver pessoalmente já informo logo que é preciso ter fôlego.

O drama de Alphonse



Alphonse é um homem metódico. Tem o costume de planejar tudo em sua vida, até as coisas mais triviais. Mesmo que não pareça, ele tem tudo sobre controle, ou pelo menos pensa ter. Conhece todos os seus amigos muito bem. E os divide em grupos, teme que se encontrem e se misturem. Sabe que caso isso aconteça ele vai ter muito trabalho mental definindo-os por afinidade e não por habilidades, como faz agora. Sua vida é tranqüila e programada. Sabe quando pode fazer as coisas e o que vai acontecer se ignorar algum detalhe. Às vezes, só para ter alguma surpresa proposital, deixa de fazer algo ou faz fora de hora. Os resultados destas traquinagens com seu planejamento o faz preparar-se para possíveis arbitrariedades esperadas para o futuro.
Não pense que ele não pode ser espontâneo. Engana-se quem pensa isso. O problema é que isso acontece apenas quando ele pode ser assim. Sempre que sente a necessidade de fazer alguma loucura procura uma boa ocasião em sua agenda e se prepara bem para isso. Sabe direitinho que tipo de espontaneidade pode praticar e saberá que está bem preservado. Na maioria das vezes ele planeja algo para si. Dificilmente envolve outras pessoas em suas programações, sabe o quanto são difíceis de organizar. Entende que pessoas são como variáveis matemáticas de fórmulas ainda não estabelecidas. Variáveis que dependem de muitas variáveis.
Uma bela tarde, observando a chuva e conjecturando junto aos seus botões como essa assimetria toda era desastrosa, Alphonse resolve projetar uma experiência. Verifica que para a chuva cair líquida depende de muitos fatores diferentes e que muitas forças diferentes são empregadas em todas as transformações e transporte das moléculas de água. Resolve então juntar elementos diferentes de sua vida. Sabe que boa parte destes elementos nem eram tão distantes, faz isso para não provocar um desastre. Planeja tudo muito bem, faz contatos, recorre a pessoas do passado somente para levar seu plano à frente. No fim se ocupa tanto com as árduas tarefas diplomáticas que em duas semanas tudo já estava acertado. O mais difícil era conseguir as máquinas humanas, mas isso estava garantido por palavras. Ele não confiava muito em palavras ditas, mas confiava que todas as pessoas tivessem seu mesmo comprometimento com elas.
Passado um mês tudo ainda estava em ordem para seu plano. As palavras firmavam-se no ar que saía da boca das pessoas com quem contava. Ele lembrava que agora faltava pouco para a culminância de seu projeto. Mas algo o afligia, talvez fosse a força das vozes de seus elementos recrutados esvaindo-se. Resolveu então checar os cabos que davam sustentação ao seu plano que era mais que um sonho. Neste momento repara que estão afrouxando e não trem ponto de nó. Então os deixa ir e concentra energias fortificando os restantes mais rígidos e confiantes. Logo ganha outros apoios inesperados. Algo está indo mal. Não gosta de surpresas que não foram planejadas, mas aceita.
Mal sabia ele que esse era o mesmo apoio que ceifaria suas esperanças na raça humana para projetos tão bem cuidados. Ele devia ter obrigado seus elementos a registrarem suas palavras em papel que pode ser cuidadosamente arquivado e não no ar que vira vento. Como seu instinto supôs aquele apoio surpresa não foi boa coisa. Ele trouxe o elemento que move as pessoas, o dinheiro. Agora ele perdeu seus elementos, pois não eram tão covalentes assim e dissiparam-se apenas com o esforço o oferecimento material. Entendeu então que sua experiência chegara a algum resultado.
Ele entendeu que planejar algo real sobre coisas resultantes de emoções não funciona. Entendeu que levar a sério palavras jogadas para seu agrado como farelo de pão aos peixes também não era certo. Entendeu que por mais forte e transcendental que sejam as idéias elas se dissolvem inertes aos caprichos materiais proporcionados pela efemeridade de uns poucos recursos financeiros. Por fim entendeu que não se deve competir com a ambição humana, pois ela é muito forte e o pobre Alphonse ainda não tem condições de competir contra.
De fato Alphonse conseguiu mais uma vez. Fez uma experiência e como programado acabou aprendendo algo. Saiu ileso do que seria para qualquer outra pessoa motivo para gerar rancor ou decepção. Felizmente ele sabia que em pessoas não se deve investir nenhum sonho de tanto valor. Só coisas efêmeras sobre coisas efêmeras. Pessoas são movidas por impulsos materiais, por isso são tão infelizes. Ele espera sair logo deste inferno.